"Dentro da grande intimidade, emerge o estranhamento. Não é o fim, não é o anúncio de separação, é uma ansiedade para resolver logo a situação e não sofrer com revezes. Mal começamos a amar e já pretendemos nos aposentar e sacar o Fundo de Garantia do afeto. A vontade é evitar esforços, consolidar o que foi feito, não pensar mais.
Mas o amor é o contrário da carreira, o trabalho aumentará com o tempo. Amor estável é amor morto.
O problema do casal não é o passado ou o presente, porém o futuro, a prevenção sempre catastrófica. Usamos a hostilidade para exigir respostas quando nem sabemos direito quais são as perguntas.
Em sua carta, reparo em uma exigência maior do que ela pode oferecer. Pede antecipada uma vida a dois. Não deseja desfrutar do namoro, mas já do casamento, dos filhos e da velhice. É uma promissória longa demais para a experiência de vocês. A gula impede o sabor: atacará o prato desordenado, encherá a boca com displicência, indiferente aos temperos.
Recomendo calma. Não é o momento de decidir, mas de aceitar, abrir espaço e compreender o contexto. Escondemos as fraquezas na superioridade. O Iago já estava conspirando dentro do Otelo - apenas apareceu um figurante de carne e osso para cruzar as suspeitas.
De modo involuntário, persegue um ideal de domínio, louco para exercer o controle e ditar as cartas. Não admite que nada aconteça diferente do planejado. No fim das contas, procura mostrar que você é melhor do que ela e ela precisa deixar de ser o que é porque só assim ela estará realmente lhe amando. Quer uma renúncia para apaziguar sua fome, não entende que se ela desistir do que acredita logo mais desistirá da crença do próprio namoro.
Por ser prática e diferente, não consegue antecipar seus movimentos. Gostaria que repetisse exatamente suas atitudes para comprovar sintonia. Isso não é harmonia, é desespero autoritário.
O orkut é maravilhoso para intrigas e suposições paranóicas. Se existisse internet na época de Shakespeare, Desdêmona não durava um dia. Relato uma experiência. Minha namorada tem um depoimento do seu ex na página inicial. Ele diz: "Eu te amo tanto". Claro que parti ensandecido para cima e cobrei a exclusão do post. Considerava um insulto. Nossa falha é que nos sentimos idiotas, com medo de que seremos os últimos a descobrir os enganos. O medo não pensa, conclui.
Minha namorada não poderia descartar o depoimento, pois se veria envergonhada diante de suas amizades. Fundamentaria meu disparate e permitiria próximos boicotes. Além de tudo, era uma homenagem de uma época e sequer brigou com ele, e sim se separou. Permanece amiga e não tenho que restringir suas afinidades com qualquer um, mas dedicar meu tempo a cuidar das nossas.
A confiança depende de um passo singelo: não antecipar o pior.
Ao mexer no e-mail de nosso par, por exemplo, investigaremos cada vírgula posta, questionaremos o motivo do beijo se transmudar em beijinho, insuflados pela possibilidade de testemunhar uma infidelidade eminente.
Se sua namorada não publicou suas fotos no orkut, continue atualizando seu álbum. É melhor do que queimar o filme por bobagens. Exiba orgulho do relacionamento e não peça imitações. Toda cobrança é preguiça: procuramos deixar de fazer simplesmente porque o outro não faz."
Retirado do site: http://bloglog.globo.com/fabriciocarpinejar/
Nenhum comentário:
Postar um comentário